Família Completa

Família Completa
Familia em 27 de dezembro de 2009

Quem sou

segunda-feira, 5 de abril de 2010

VOTO SUADO

VOTO SUADO

Avenor A. Montandon


A Eleição para vereador é, com certeza, a mais difícil. O voto é pessoal, íntimo, direto, objetivo e mutável, eventualmente, ou, quase sempre, em função das circunstâncias. Porque todos os candidatos acreditam que vão se eleger? É simples: as promessas são tantas e tão consistentes que arriscar palpite de milhares de votos guardados na urna para si não chega a soar como exagero. Para ilustrar, vou contar como se repartem os votos para vereador, numa história fictícia, que pode ser bem real.
Um médico, de uma cidade média, resolve, dois anos antes das eleições, se candidatar a vereador e começa a trabalhar para isso. Aos seus clientes e amigos, anuncia sua intenção. Todos o estimulam. É bem intencionado, popular e está disposto a ajudar na administração de sua cidade.
Uma família, de seis pessoas fica extremamente grata com a precisa e delicada cirurgia que realiza na mãe da família, dona Albertina: pessoa boa, semi-analfabeta, mas de educação e sinceridade incontestáveis. Seu Joaquim, seu esposo, aposentado; promete então, ao doutor que salvara a vida da patroa, toda a ajuda nas eleições, começando pelos 6 votos garantidos da família. O doutor Romeu, feliz com a consideração, anota o endereço, para lembrá-los do compromisso na época pré-eleitoral; e o faz, logo que é dada a largada para a corrida dos votos: “fica sossegado doutor! os votos prometidos são do senhor. Aqui em casa são 6.”
O doutor fica muito satisfeito, mas um tanto abalado com a situação financeira daquela família. O genro desempregado, a filha mais velha tendo que trabalhar fora para garantir o sustento dos dois filhos; o outro filho, estudante no 2º grau, também não tem emprego. E a outra filha, solteira, trabalha de doméstica com o salário suficiente só para o seu sustento. Todos morando sob o mesmo teto, casa pequena, em expansão com a construção arrastada de um pequeno barraco nos fundos, para abrigar a família da filha casada.
Dias depois, passa por ali outro candidato, o Euclides, homem de bem e disposto a investir na sua campanha, já conhecido do filho solteiro, e oferece, “despretensiosamente”, uma cesta de alimentos, aceita de bom grado.
No intervalo da novela das oito, discutem a redistribuição dos votos: “o doutor Romeu tem 5 votos, e o Euclides, que foi tão bom nesta oferta, terá o voto do filho”.
O genro, que ainda não havia discutido o destino do seu voto, logo aparteia o sogro: “Não posso dispor do meu voto! O Zé do sindicato já me pediu há muito tempo e me prometeu um emprego no ano que vem.” Conciliador, seu Joaquim acha justa a sua posição e reconta: “Então são 4 para o doutor, 1 pro Euclides e 1 pro Zé do sindicato.”
No dia seguinte, também no intervalo da novela, a filha solteira comenta com o seu pessoal: “Soube hoje que a irmã da minha patroa também é candidata, e a patroa, que tem sido tão boa para mim, pediu-me o voto para ela. Fico sem jeito de não votar, pois ela até me prometeu perdoar aqueles vales que me fez no mês passado”. Mais uma vez, foram os votos recontados com o aval constrangido do seu Joaquim: “Então, espera aí, é 1 voto pro Euclides, 1 pro Zé do sindicato, 1 pra irmã da patroa da filha e 3 pro doutor.”
Não passou nem uma semana e o Jurandir, candidato abastado e também disposto a garantir a eleição, passa pela casa do seu Joaquim e sua oferta é irrecusável: 10 sacos de cimento para dar impulso à obra dos fundos. Fica, então de consenso que o voto da filha casada, beneficiária maior do cimento, será de gratidão ao Jurandir. Sobram então, uma semana antes das eleições: 1 voto pro Zé do sindicato, 1 pro Euclides, 1 pra irmã da patroa da filha, 1 pro Jurandir e 2 votos pro doutor: o do seu Joaquim e o da dona Albertina.
Por fatalidade, três dias antes das eleições, o seu Joaquim sofre uma fratura no pé ao saltar do coletivo. Levado ao hospital, é pronta e gratuitamente atendido pelo doutor Alberto, ortopedista competente e também candidato. A família, muito grata pelo atendimento, promete, também ao doutor Alberto, a sua ajuda eleitoral...
À noite, como sempre, após o horário nobre, foram finalmente decididos de forma inalterável a distribuição dos votos: 1 para o Euclides, 1 pro Zé do sindicato, 1 pra irmã da patroa da filha, 1 para o Jurandir, 1 para o doutor Alberto (voto do seu Joaquim) e, finalmente, 1 voto para o doutor Romeu - sagrado, incontestável - da dona Albertina, que tem ele na terra e Deus no céu. O único problema do doutor Romeu, é ter a certeza de que aquele votinho suado tenha sido válido, pois a dona Albertina poderia ter errado o seu número!...

Nenhum comentário:

Postar um comentário