Família Completa

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Familia em 27 de dezembro de 2009

Quem sou

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

EU E O PRESIDENTE JK

EU E O PRESIDENTE JK


Avenor Augusto Montandon

Eu me lembro muito bem. Eu era menino. Tinha talvez uns 8 anos, não mais. Minha família tinha um relacionamento muito próximo com o Juscelino. Meu tio Avô, João Jacques Montandon, era Senador e foi um político de enorme importância em Minas Gerais. Ele tinha exercido funções de grande relevância em Minas, e sua ligação com o JK extrapolava o aspecto político. Tinha um relacionamento pessoal, era padrinho de casamento e conselheiro político do ex-presidente.
JK vinha a Araxá com muita freqüência. Não era certamente só pela generosa hospitalidade oferecida pelo Grande hotel e termas do Barreiro com suas águas medicinais e bucólica paisagem que envolvia a magnífica estância hidromineral. Aqui o JK encontrava seus amigos e se sentia perfeitamente em casa. Eu testemunhava isso!!! A filha do meu tio senador era minha madrinha de batismo. Madrinha Nenê era solteira, magrinha e muito formal. Fazia as honras da casa do tio João Jacques. Dava-me privilégios exclusivos (impensável a outros guris da minha geração) e meu livre passe era garantido mesmo nas austeras reuniões políticas que rolavam com freqüência naqueles idos dos anos 50.
Tio João era muito simpático e carismático. Muito branco, liso, magro, alto e tinha um mancado decorrente de um joelho anquilosado (duro). Não tinha um sorriso fácil, mas gerava uma aura de respeito e admiração a todos que o cercavam. Assistia as conversas e movimentos anunciando as visitas políticas, providencias de formalidades e jantares. Não sei por que eu prestava muita atenção a tudo aquilo. Gostava de circular, sob os olhares complacentes da madrinha, no meio das pessoas, dos políticos e puxa sacos, na sala de jantar da casa (que me parecia enorme) composta de uma austera mobília de madeira escura e pesada, predominantemente torneada. A casa com dois coqueiros em frente ficava próxima á praça Governador Valadares (Valadares quem foi o responsável pelo primeiro cargo político do Ex-presidente), na rua presidente Olegário Maciel, no centro da cidade (presidente cuja posse foi conferida pelo meu tio Senador, quando exercia a presidência do Senado).
Eu me lembro muito bem quando o Juscelino chegou á cidade. Eu já tinha ouvido os rumores. Ele era muito importante e faria um comício na mesma rua, numa esquina onde funcionava a rádio do Olavo Drummond que era (acho) deputado estadual. Acompanhei a comitiva que deslizou cheia de mãos pela rua e se instalou no palanque armado, com a pequena multidão em ovação. Instalei-me logo abaixo do carismático político em ascensão. JK falou. Acho que ele era, na ocasião, candidato á presidência da Republica. Fiquei deslumbrado. Nunca mais me esqueci da sua postura, da sua dicção, do seu sorriso, arrancando aplausos em cada frase terminada. Dali, ao término do comício, todos se dirigiram a pé até a casa do tio João, distribuindo apertos de mão e abraços. Entraram todos da comitiva. Havia criteriosa seleção dos convivas. Eu, a despeito de ser um moleque de calças curtas pude entrar, devidamente amparado pelos laços afetivos da madrinha. Recebi as carícias generosas do Juscelino ao indagar da Madrinha quem eu era. Ah! Exclamou: -É filho do Augusto!!! Não entendia os papos devidamente abastecidos por fartos pratos de quitutes. Limitava-me a comer as preciosidades culinárias oferecidas e admirar a elegância das indumentárias dos convidados. Chamava-me a atenção, estando eu a um nível inferior á mesa, os pés e sapatos. O Juscelino mostrava meias pretas de seda... os pés fora dos sapatos!! Soube depois, muito mais tarde que essa era uma de suas características.
Juscelino foi eleito Presidente (Eleições diretas em função da morte do Getulio). Acompanhei o entusiasmo dos meus parentes ao anunciar a novidade. Juscelino Presidente!!!!
Continuava deslumbrado com o seu carisma. Tinha só noticia de visitas, mais raras, ao tio João, que mesmo mais velho e doente, sempre se sentia muito honrado com a presença do Presidente que sempre se hospedava no Grande Hotel, mas invariavelmente visitava o Tio.
Acompanhei com entusiasmo o desempenho do JK na presidência. Nada tinha tanta importância para mim como a construção de Brasília. Era o máximo de arrojo daquele homem que admirava desde menino. Em 1963, Juscelino já tinha passado a faixa presidencial para o Jânio, que, aliás, não tinha sido o seu candidato, e este por sua vez renunciou, deixando o cargo para o Jango que era o vice. Essa historia todos conhecem... Veio a revolução de 64, o governo militar cassou os direitos políticos do Juscelino e este foi para o ostracismo no exílio.
Em 65 passei no vestibular de medicina na UnB!! Primeira turma!!!
Em plena revolução, a Universidade era um centro de cultura na nova capital, e como não poderia deixar de ser um dos redutos da contra revolução. Eram muitas as manifestações e passeatas, com calorosos discursos de eufóricos supostos líderes. Á época assisti de camarote a grandes caçadas desses líderes estudantis, e muitos deles nunca mais foram vistos. Eu mesmo estive preso por uma noite após participar de passeata na W3 em Brasília.
Foram anos de sofrimento enquanto estava na universidade. Tivemos muitas interrupções de aulas quando a universidade era sitiada. No quarto ano de medicina, já nos idos de 1968, longe da democracia conclamada pelos estudantes, no auge dos atos institucionais, deixamos a universidade para o internato hospitalar. Tínhamos um hospital universitário numa cidade satélite de Brasília – Sobradinho, e lá nos isolamos dos movimentos políticos afetos ao corpo da UnB.
O entusiasmo com o estagio clinico era demais. Dedicávamos quase tempo integral ao hospital. Todos trabalhávamos á noite nas escolas, como professores. Enquanto isso já pensávamos na nossa formatura. Também, dentro do planejamento, comissões foram criadas para organizar as festas. Sabendo que eu conhecia o JK os meus colegas me pediram que o procurasse, quando de sua visita em Araxá.
Naquele final da década de 60 o Juscelino já havia voltado para o Brasil. Continuava cassado!!
Soube pelos meus parentes que o Ex – Presidente estaria em Araxá. Por sorte era período de férias. Estando na minha cidade marquei audiência com ele que estava hospedado, como sempre na suíte presidencial do grande hotel do Barreiro.
Era julho de 1969. Bati á porta dos aposentos, no monumental hotel estilo “belle époque”. Atendeu-me um sujeito alto moreno claro que se dizia secretário do Ex-Presidente. Identifiquei-me, ele se dirigiu ao Juscelino que estava assentado na sala:
-Presidente é o doutor Montandon.
Senti-me orgulhoso com o tratamento que me dispensou!
- Mande-o entrar!
O “presidente” me recebeu de pé. Sorriso largo, como era de habito. Tinha os pés sem sapatos.
- Meu caro Montandon. Como está seu pai, meu amigo Augusto?
- Muito bem presidente. Ele manda lembranças.
- Eu estive com o seu tio, meu padrinho João Jacques. Pareceu-me um pouco abatido e fraco.
-Fiquei muito satisfeito em revê-lo.
-Mas em que posso servi-lo meu caro?
Eu confesso que estava emocionado por estar na presença do Juscelino e gaguejei um pouco para iniciar minha conversa. Pareceu-me que ele notou e sorrindo me propôs ficar a vontade. Pouco a pouco fui relaxando e fui direto ao assunto:
-Presidente, eu fui incumbido pelos meus colegas, formandos de medicina pela UnB, para formular um convite ao senhor para ser o paraninfo na nossa formatura no ano que vem! Somos a 1ª turma e nos sentiríamos muito honrados se aceitasse.
Juscelino deu uma risada alta e se dirigindo ao “secretário” disse: -Veja só, fulano, Brasília já está formando médicos! A UnB quem diria!!! Como o tempo passa!
E se dirigindo a mim com uma expressão séria disse:
- Meu caro, me honra muito o convite mas estou proibido de ir a Brasília!! Se for lá eles me prendem!!
- Estou com vocês de coração e me orgulho dos colegas dessa primeira turma nascidos da minha cidade de Brasília!
Não disfarcei a minha decepção e ele tentou me consolar dizendo que certamente encontraríamos uma outra personalidade que não deixasse nada a desejar.. Fui obrigado a discordar, mas restringi-me a outras observações e assuntos que ele mesmo incentivou.
-Montandon, disse quando me despedia. - Tive grande prazer em revê-lo, recomende-me ao seu pai e agradeça aos seus colegas em meu nome. Visite-me no edifício Manchete no Rio. Sabe onde fica? Bem ali no começo do aterro do Flamengo. Estou sempre lá no meu escritório, sala gentilmente cedida pelo meu amigo Adolpho Block.
-Terei o maior prazer em revê-lo!
Fui embora levando comigo a admiração que sempre tive pelo JK e lamentando não ter obtido sucesso na minha missão.
A nossa formatura foi em dezembro de 1970, com a cerimônia de colação de grau no plenário da Câmara Federal, em conjunto com outros cursos da universidade. Tivemos como paraninfo um ilustre pesquisador médico Carlos Chagas filho, filho do famoso Carlos Chagas.
Não perdi de vista a idéia de rever o Presidente. Guardei com carinho o seu cartão. Em 1971, estando no Rio de Janeiro, passei no edifício Manchete. Fui muito bem recebido pelo presidente, mas não pude ficar mais que alguns minutos porque JK estava saindo para um compromisso. Saímos juntos e á saída me apresentou Dona Sara.
Mais uma vez tive a satisfação de revê-lo. Foi no desembarque no Aeroporto de Brasília, um ou dois anos depois. Acho que em 1972. Viajamos no mesmo vôo do Rio para Brasília. Ele me viu e me chamou. Eu usava uniforme da Marinha (1º tenente medico). JK estava em companhia da D. Sara e tornou a me apresentar:
- Montandon, já te apresentei a Sara?
-Então está servindo a Marinha? Que bom!! Eu também fui medico militar! Bons tempos! Recomende-me aos seus!
Despediu-se e o vi saindo em companhia de várias pessoas que sempre o cercavam, e perdeu-se nos corredores daquele aeroporto provisório, de madeira, àquela ocasião.
Nunca mais o vi. Quatro anos depois eu morava em Brasília e lá mesmo recebi perplexo e chateado a noticia do acidente que o vitimou fatalmente na Via Dutra.
Foi um tumulto quando o seu corpo chegou a Brasília.
Não sei como consegui, mas eu fui um dos que tirou a sua urna da catedral de Brasília. Forcei todos os esquemas e estive sempre do seu lado e de sua família durante as fervorosas manifestações populares que marcaram o seu féretro.
Assim despedi-me do Juscelino, quem tive o privilegio de conhecer, e levo comigo a memória de um fantástico, brilhante e carismático político, que marcou sua vida pela intensidade com que a viveu...

domingo, 25 de janeiro de 2009

URGÊNCIA EM PAQUETÁ

Quando eu era menino ouvia muito falar de Paquetá, uma ilha ”paradisíaca” na bahia de Guanabara. Tinha muita curiosidade em conhecê-la.
A oportunidade surgiu quando, já médico e morando no Rio de Janeiro, pude conhecer num daqueles fins de semana ensolarados do Rio. Meus sogros estavam nos visitando e manifestaram o desejo de visitar a ilha. Tínhamos 3 filhos pequenos. A menor, Nicole era ainda um bebezinho de alguns meses.
Findos os preparativos e animados pela expectativa de um passeio muito diferente fomos para a estação das barcas.
A viagem, numa barca de 2 andares, iniciava na praça XV e durava uns 40 minutos.
Ainda me lembro que tive uma grande decepção ao constatar a sujeira da água da bahia, contrastando com a espetacular paisagem que se descortinava nos relevos da cidade. Embora a barca não fosse muito confortável, a travessia da bahia foi muito agradável.
Sogro, sogra , mulher e filhos se deliciando com a novidade. Eu, já acostumado com aquele tipo de transporte, me preocupava com a segurança da turma em meio a uma pequena multidão de turistas e habitantes da ilha que retornavam da jornada de trabalho no continente.
No desembarque constatei que o lugar devia ter sido realmente maravilhoso. Agora já nem tanto pela poluição imposta por uma exploração inescrupulosa e desprovida de um espírito de preservação ambiental. Mesmo assim Paquetá refletia o deslumbramento que despertara outrora.
Nos acampamos numa pequena praia não muito longe do centro, acomodados à sombra de frondosas árvores com rochedos e ilhotas á sua frente. Acomodamos e alimentamos as crianças, arrumamos o nosso ambiente e procuramos usufruir o programa, a despeito zoeira dos vizinhos, das moscas e do cheiro dos cocôs de cachorro.
Fascinava-me uma ilhota a uns 200 metros dali, com rochas e uns arvoredos, testemunha de áureos tempos de Paquetá, e, movido pelo interesse despertado, resolvi nadar até lá.
A travessia a nado não foi difícil. Talvez tenha feito o percurso nuns 15 minutos. A água era turva e mal dava para ver a um metro de profundidade. Já na ilhota pude apreciar um real isolamento e o silêncio só interrompido pelo canto das aves.
As rochas denunciavam a presença de visitantes que quiseram se perpetuar com suas assinaturas, marcas e desenhos nelas estampados.
Algum tempo depois, sentida a necessidade de retornar, notei que a maré estava subindo muito e havia muita correnteza em direção contrária ao meu caminho de volta. Teria portanto que nadar com mais força e num trajeto maior do que a vinda.
Enchi-me de disposição e me lancei ao mar. Não podia ver absolutamente nada naquela água turva e, conforme previsto, o meu esforço era muito maior para vencer a correnteza.
Mais ou menos na metade do percurso, bati o pé com muita força num recife submerso e, pela dor que senti, pude imaginar o tamanho da lesão. Era um corte profundo de uns 6 cm na borda interna do pé direito, que sangrava profusamente. Sem outra alternativa, redobrei os esforços para alcançar a praia. Finalmente alguns longos minutos depois cheguei na praia causando espanto e apreensão na minha família que me aguardava. Imediatamente lancei mão de uma fralda para conter o sangramento. Curiosos se aproximaram e ofereceram para ajudar. Me disseram que na ilha tinha uma precária unidade de saúde, com alguns leitos de semi internação e que dispunha de um interno e um residente de medicina de plantão.
Um solícito banhista, me ofereceu a sua bicicleta para que eu me deslocasse até o pequeno hospital, distante dali uns dois Km.
Sem hesitar, aceitei a oferta.
Vestido sumariamente com calção de banho e camiseta, com uma fralda enrolada no pé, cheguei á referida unidade. Uma atendente de enfermagem me recebeu e se surpreendeu imediatamente com a minha apresentação.
Disse que eu era médico, trabalhava no Rio, e precisava suturar o meu pé. A moça constrangida disse:
- Doutor, os acadêmicos estão muito ocupados com uma urgência e devem demorar um pouco!
Eu, desconfortável e preocupado não hesitei:
- Então, por favor me traga uma bandeja de sutura, seringa e anestésico. Eu mesmo vou suturar a ferida!
- mas... doutor?
- Não se preocupe! tranqüilizei.
A atendente, com indisfarçável apreensão, me trouxe o material solicitado e, com o pé colocado sobre o joelho esquerdo, fiz a assepsia, infiltrei anestésico na lesão e comecei a sutura. Poucos minutos depois eu tinha vários expectadores, incluindo os dois acadêmicos que haviam terminado o referido atendimento. Mostraram-se muito surpresos e se propuseram a me ajudar.
Rejeitei a ajuda sobretudo porque estava por concluir a sutura.
- O senhor faz qual especialidade?....perguntou um deles.
- Cirurgia e obstetrícia, respondi.
- Quem sabe o senhor pode dar uma ajuda pra gente. Nós estamos com uma caso grave aqui. A paciente teve um parto espontâneo na rua e foi trazida para cá.
Está com uma hemorragia incontrolável. Já tentamos fazer o que podíamos e não conseguimos controlar o sangramento.
Ela está chocando, Só temos mais uma bolsa de sangue para aplicar e vai demorar a remoção para o Rio!
- E o nenê, perguntei.
- Ta bem. Pusemos ele no berçário e já está sendo cuidado.
- Me arranja uma roupa de centro cirúrgico que eu vou dar uma olhada pra vocês, disse.
Devidamente recomposto e já com o pé suturado e enfaixado, fui examinar a paciente.
Era uma paciente de uns 30 anos, e apresentava característico quadro de choque hemorrágico. Pedi que a colocasse na mesa ginecológica para que eu pudesse examinar.
Havia uma extensa lesão de colo uterino com profuso sangramento e, para piorar, apresentava uma hipotonia uterina (o útero não havia contraído o suficiente), agravando o sangramento. A julgar pelo quadro clinico seria impossível adiar o tratamento da hemorragia, sob pena de perdermos a paciente.
Pedi então o material para o procedimento cirúrgico necessário e com algum sacrifício, graças às limitações do serviço, consegui interromper o sangramento.
Em pouco tempo a paciente já havia melhorado, os sinais vitais eram satisfatórios e a remoção já não era necessária.
Mediquei a paciente e pedi que aplicasse o sangue remanescente com as orientações necessárias.
Tomei um bom banho, despi-me das vestes emprestadas e sob calorosos agradecimentos e manifestações de admiração, montei na bicicleta e voltei á praia onde a minha família aguardava apreensiva. Com razão pois havia demorado umas duas horas.
O entardecer se aproximava. Um lindo crepúsculo era anunciado na bahia de Guanabara quando embarcamos de volta para o Rio. Durante a travessia pude analisar os acontecimentos em Paquetá e fiquei imaginando se aquele meu acidente não teria sido um pretexto Divino para a salvação daquela mãe. Nessa divagação pude mais me deleitar com a paisagem deslumbrante daquele final de tarde na estonteante bahia da cidade maravilhosa!

Avenor Augusto Montandon