Família Completa

Família Completa
Familia em 27 de dezembro de 2009

Quem sou

segunda-feira, 5 de abril de 2010

COMO EU SOU – AUTO ANÁLISE

COMO EU SOU – AUTO ANÁLISE

Avenor A. Montandon

Eu vivo num mundo de fatos e de necessidades concretas. Minha cabeça está no presente, com a mente analisando constantemente meu ambiente pessoal para garantir que tudo esteja funcionando bem e de uma maneira sistemática.
Eu honro as tradições e as leis, e tenho uma clara noção de minhas crenças. O negócio é que eu espero o mesmo dos outros, e acabo não tendo paciência nem compreendendo as pessoas que não compreendem esse meu jeito de ser. Valorizo a competência e eficiência e gosto de ver resultados rápidos para meus esforços.
Gosto muito de assumir o comando das coisas. Tenho uma visão clara da maneira como as coisas devem funcionar. Assumo cargos de liderança com naturalidade, usando de toda a minha autoconfiança e agressividade. Assim, me sinto uma pessoa competente para desenvolver sistemas e planos de ação, e capaz de ver quais passos são necessários para se cumprir uma tarefa.
Eu também posso ser muito rígido e crítico com as pessoas, acarretando numa tendência a me expressar sem reservas (sem “papas na língua”) quando vejo que alguém não está se comportando ou produzindo à altura dos meus critérios. O lado bom disso é que pelo menos minhas críticas são fáceis de entender, pois vou direto ao assunto, fazendo comentários sempre muito honestos.
Encaro meus compromissos com seriedade, seguindo minhas próprias normas de cidadania com rigor. Ao mesmo tempo, eu sou uma pessoa que tem prazer em lidar com outros e em me divertir, podendo ser bastante animado e divertido em eventos sociais - especialmente em atividades voltadas à família, à comunidade, ou ao trabalho.
Eu também preciso tomar um pouquinho de cuidado com minha tendência a ser rígido (duro) demais com as pessoas, e a ser detalhista ao extremo quando estou focado em algo. Como ponho tanto peso em minhas próprias opiniões e crenças, é importante que eu aprenda a valorizar mais as maneiras com que outras pessoas vêem essas coisas, pois posso acabar aprendendo algo novo. E se não dou atenção ao meu lado sentimental, posso também ter dificuldades, como a de não conseguir preencher as necessidades de intimidade das pessoas à minha volta, e, sem querer, acabo por magoá-las, fazendo com que se distanciem.
Quando estou abatido por uma situação estressante, eu acabo freqüentemente me sentindo isolado das outras pessoas; sinto-me como se não fosse compreendido e valorizado o suficiente; como se as pessoas vissem meus esforços como nada mais que minha obrigação.
Valorizo segurança e ordem social acima de tudo e faço tudo o que posso para melhorar esses fatores, promovendo a segurança pessoal e social de minha família.

DESPEDIDA

DESPEDIDA


Avenor A. Montandon

Foi tudo tão bonito!
Foi tudo tão vibrante!
Alucinante...
Foi tudo tão importante,
pra alma, pro sentimento...!
Uma paixão tão louca que tudo superou tão bem,
como se a vida só dela dependesse!
Que só podia terminar, como se não terminasse:
Devagar e silenciosamente... de comum acordo...
Morrendo sem sofrer, de pouquinho em pouquinho,
deixando no fundo,
O cheiro...
A lembrança...
Uma saudade tão intensa!

VOTO SUADO

VOTO SUADO

Avenor A. Montandon


A Eleição para vereador é, com certeza, a mais difícil. O voto é pessoal, íntimo, direto, objetivo e mutável, eventualmente, ou, quase sempre, em função das circunstâncias. Porque todos os candidatos acreditam que vão se eleger? É simples: as promessas são tantas e tão consistentes que arriscar palpite de milhares de votos guardados na urna para si não chega a soar como exagero. Para ilustrar, vou contar como se repartem os votos para vereador, numa história fictícia, que pode ser bem real.
Um médico, de uma cidade média, resolve, dois anos antes das eleições, se candidatar a vereador e começa a trabalhar para isso. Aos seus clientes e amigos, anuncia sua intenção. Todos o estimulam. É bem intencionado, popular e está disposto a ajudar na administração de sua cidade.
Uma família, de seis pessoas fica extremamente grata com a precisa e delicada cirurgia que realiza na mãe da família, dona Albertina: pessoa boa, semi-analfabeta, mas de educação e sinceridade incontestáveis. Seu Joaquim, seu esposo, aposentado; promete então, ao doutor que salvara a vida da patroa, toda a ajuda nas eleições, começando pelos 6 votos garantidos da família. O doutor Romeu, feliz com a consideração, anota o endereço, para lembrá-los do compromisso na época pré-eleitoral; e o faz, logo que é dada a largada para a corrida dos votos: “fica sossegado doutor! os votos prometidos são do senhor. Aqui em casa são 6.”
O doutor fica muito satisfeito, mas um tanto abalado com a situação financeira daquela família. O genro desempregado, a filha mais velha tendo que trabalhar fora para garantir o sustento dos dois filhos; o outro filho, estudante no 2º grau, também não tem emprego. E a outra filha, solteira, trabalha de doméstica com o salário suficiente só para o seu sustento. Todos morando sob o mesmo teto, casa pequena, em expansão com a construção arrastada de um pequeno barraco nos fundos, para abrigar a família da filha casada.
Dias depois, passa por ali outro candidato, o Euclides, homem de bem e disposto a investir na sua campanha, já conhecido do filho solteiro, e oferece, “despretensiosamente”, uma cesta de alimentos, aceita de bom grado.
No intervalo da novela das oito, discutem a redistribuição dos votos: “o doutor Romeu tem 5 votos, e o Euclides, que foi tão bom nesta oferta, terá o voto do filho”.
O genro, que ainda não havia discutido o destino do seu voto, logo aparteia o sogro: “Não posso dispor do meu voto! O Zé do sindicato já me pediu há muito tempo e me prometeu um emprego no ano que vem.” Conciliador, seu Joaquim acha justa a sua posição e reconta: “Então são 4 para o doutor, 1 pro Euclides e 1 pro Zé do sindicato.”
No dia seguinte, também no intervalo da novela, a filha solteira comenta com o seu pessoal: “Soube hoje que a irmã da minha patroa também é candidata, e a patroa, que tem sido tão boa para mim, pediu-me o voto para ela. Fico sem jeito de não votar, pois ela até me prometeu perdoar aqueles vales que me fez no mês passado”. Mais uma vez, foram os votos recontados com o aval constrangido do seu Joaquim: “Então, espera aí, é 1 voto pro Euclides, 1 pro Zé do sindicato, 1 pra irmã da patroa da filha e 3 pro doutor.”
Não passou nem uma semana e o Jurandir, candidato abastado e também disposto a garantir a eleição, passa pela casa do seu Joaquim e sua oferta é irrecusável: 10 sacos de cimento para dar impulso à obra dos fundos. Fica, então de consenso que o voto da filha casada, beneficiária maior do cimento, será de gratidão ao Jurandir. Sobram então, uma semana antes das eleições: 1 voto pro Zé do sindicato, 1 pro Euclides, 1 pra irmã da patroa da filha, 1 pro Jurandir e 2 votos pro doutor: o do seu Joaquim e o da dona Albertina.
Por fatalidade, três dias antes das eleições, o seu Joaquim sofre uma fratura no pé ao saltar do coletivo. Levado ao hospital, é pronta e gratuitamente atendido pelo doutor Alberto, ortopedista competente e também candidato. A família, muito grata pelo atendimento, promete, também ao doutor Alberto, a sua ajuda eleitoral...
À noite, como sempre, após o horário nobre, foram finalmente decididos de forma inalterável a distribuição dos votos: 1 para o Euclides, 1 pro Zé do sindicato, 1 pra irmã da patroa da filha, 1 para o Jurandir, 1 para o doutor Alberto (voto do seu Joaquim) e, finalmente, 1 voto para o doutor Romeu - sagrado, incontestável - da dona Albertina, que tem ele na terra e Deus no céu. O único problema do doutor Romeu, é ter a certeza de que aquele votinho suado tenha sido válido, pois a dona Albertina poderia ter errado o seu número!...

CARNE DE SOL

CARNE DE SOL

Avenor Augusto Montandon

Eu estava muito cansado e faminto. Tinha trabalhado muito durante todo o dia depois de viajar do Rio para Recife no dia anterior e passado todo o dia treinando o um monte de gente no novo sistema que estava implantando no Brasil todo. Eram 5 horas da tarde e estava previsto que encerraria a cansativa jornada as seis da tarde.
O Cavalcante bateu na porta do auditório, pediu licença, e cochichou no meu ouvido:
- O Dr. Aloizio quer falar com você. Disse que é importante. Atenda ao telefone no meu gabinete no andar de baixo. Vamos lá!
Fiquei contrariado por interromper o meu trabalho, pois pretendia concluir ainda naquela tarde todo o conteúdo proposto, descansar e embarcar no dia seguinte bem cedo para Maceió onde faria, naquela aprazível cidade alagoana, o mesmo que estava fazendo em Recife. Era o responsável por implantar um sistema que passaria a controlar o pagamento de todos os hospitais brasileiros. Como um dos diretores do INAMPS, eu tinha um cronograma rígido a cumprir nesse trabalho e seriam muitas as capitais que teria que visitar em pouco tempo.
Pedi licença para os atentos participantes, e acompanhei o superintendente do INAMPS de Pernambuco ao seu gabinete.
- Pois não Dr. Aloizio, atendi.
- Montandon, eu estou aqui em Natal e queria conversar pessoalmente com você hoje!
- Dr. Aloizio, eu estou em Recife, ocupadíssimo, ainda não terminei a minha meta de hoje e pretendo estar amanhã cedo em Maceió!
- Cancela a viagem de Maceió em vem pra cá hoje!
- Como farei isso, presidente? Nem sei se tem avião pra Natal hoje!
- Ora, o Cavalcante dá um jeito de te trazer aqui. O Beltrão vai estar aqui amanhã e preciso estar com você antes de encontrar com o Ministro!
Pela insistência do presidente do INAMPS, de quem eu era subordinado, julguei que teria que contrariar minha programação e ir ao seu encontro. O Cavalcante, que ouvia a conversa ao lado, tentou me tranqüilizar: - Preocupa não doutor, daqui lá é perto. Te levo no carro do Instituto!
- Perto? Daqui até Natal é perto?
- É, quer dizer, a estrada é boa, o carro é confortável e até lá pelas 11 da noite a gente ta lá –
- Mas Cavalcante nos temos que atravessar o estado da Paraíba!
- Não é longe não. A gente chega lá.
Contrariado com a imprevisível interrupção do meu programa, voltei ao auditório, encerrei as atividades, e me despedi da turma de umas 60 pessoas que tinham estado comigo em treinamento nos últimos três dias. Eram todos empregados de hospitais da capital e interior.
Voltei ao gabinete do Cavalcante que interrompeu uma ligação para me pedir que fosse ao hotel pegar minhas coisas e o aguardasse lá.
-Montandon, no máximo às 18 horas te pego no hotel!
Pontualmente a perua Chevrolet Veraneio preta parou na porta. Eu me acomodei sozinho no banco de trás e o superintendente com o motorista assentados na frente.
- Cavalcante, eu tô morrendo de fome! Almocei meio dia e até agora não comi nada!
- Não se preocupe, logo na frente tem um restaurante muito bom e a gente pára pra comer.
Chegamos em Natal eram mais de onze horas da noite. Estava cansadíssimo e mesmo assim fomos diretos para o hotel onde estava hospedado o Dr. Aluizio. Por sorte no mesmo hotel nos hospedamos.
Movido pela curiosidade, pouco me detive no meu quarto. Dei uma ajeitada no visual e subi para o apartamento do chefe que me aguardava. O velho, pálido e magro, assentado na cama, de longe parecia o ícone que todos reverenciávamos. Famoso por ser o médico do ex presidente Juscelino, membro da Academia Brasileira de Medicina, vestido num pijama modesto, coçando os dedos dos pés, conversava entusiasticamente com um jovem deputado nordestino, que sorvia goles de um whisky 12 anos, num confortável sofá à sua frente.
- Senta aí Montandon. Prazer em te ver. Fizeram boa viagem?
- Sim presidente, obrigado.
- Esse é o meu amigo deputado fulano de tal.
A conversa se prolongou pela madrugada a fora. Não fosse tão agradável e regrada a tragos “on the rocks” teria sido vencido pelo cansaço.
Falamos sobre tudo, de política a turismo; finanças e medicina. Procurei insistentemente descobrir as razões da minha intempestiva convocação e só no momento em que me despedi, eu consegui arrancar do chefe uma razão, pouco convincente para aquela inesperada viagem.
Já visivelmente abatido pelos vários tragos, simplesmente me disse:
- Queria conversar com você!
Fiquei sem saber exatamente até hoje porque tinha feito aquela viagem...
Ah! Eu nunca mais me esqueci! Na viagem de mais de quatro horas, varado de fome e sede no calor das noites nordestinas, nove horas da noite, mais de três de viagem, foi quando paramos num simples restaurante no interior da Paraíba, aquele tal restaurante ao qual o Cavalcante havia se referido. Foi ali que comi a melhor e inesquecível carne de sol da minha vida, regrada a uma cerveja geladíssima!
Teria sido a fome que a tornou tão saborosa?

UM CASO

UM CASO

Avenor A. Montandon

Uma mulher aos prantos, pálida e descabelada, vestindo um robe e calçada de chinelos, adentrou ao hospital, carregando uma criança de pouco mais de um ano de idade, flácido e cianótico. Parecia morto, o que provocou um enorme reboliço das pessoas que aguardavam atendimento na entrada do hospital. Devia ser umas oito e meia da manhã
-Corre doutor, acho que a criança está morrendo!
Era um grave caso de obstrução respiratória alta provocada por uma doença que no momento não podia precisar se era crupe ( difteria ) ou um tipo de laringite grave.
A mãe não se continha de desespero e dor e não se convenceu de sair da sala de curativos para que a criança fosse atendida, apesar da insistência da Irmã.
-Traz a caixa de traqueotomia, falou o doutor que já examinava a criança ao mesmo tempo que interrogava a mãe.
A criança não estava morta, mas praticamente já não respirava mais.
O médico curvou a cabeça da criança para traz estendendo o frágil pescoço, abriu a caixa, calçou uma luva , e com um bisturi cortou o pescoço no lugar certo! A mãe ali do lado se estatelou no chão! A Irmã enfermeira se apavorou e quis pedir ajuda, no que foi contida pelo doutor: - Deixa ela ai mesmo, recosta a cabeça dela com este lençol, e ajuda aqui.
Em menos de um minuto a cânula traqueal foi introduzida no pequeno orifício e simultaneamente um cateter ligado ao oxigênio foi conectado.
O nenê começou a respirar e progressivamente foi ganhando a cor rosada, esperneou e chorou mudo (o ar já não passava pelas cordas vocais!).
O doutor se emocionou, não se conteve e deixou cair uma lágrima sobre o peito franzino e arfante, enquanto fazia a hemostasia da ferida.
A mãe recuperou a consciência e se levantou ajudada pela Irmã, olhou perplexa e apreensiva o pequeno, esfregou as mãos sobre o rosto molhado deixando transparecer um sorriso, acariciou a cabecinha molhada do nenê e chorando abraçou o doutor: - Deus te pague! Nossa senhora proteja o senhor! - Amém, respondeu. – Fica tranqüila que ta tudo bem.. semana que vem o guri vai estar brincando de novo. E saiu sem esconder a emoção sob os olhares curiosos de todos.
Foi até outra sala onde o colega pediatra atendia e pediu que acompanhasse o caso, alertando-o para a possibilidade de isolamento.
TRABALHO VÃO (?)

Avenor A. Montandon

No precipitar da aurora,
a silhueta tosca, claudica,
contrasta...
Esplendor de brilho, milagre em cor,
projeta ao solo
bizarra imagem do lavrador.
Carnes mirradas,
sacrificadas, alimentadas
de escassos grãos, de mais esperanças,
motivadas.
Indumentária em trapos,
filtrando o vento e os ardidos raios
do violento astro;
tampa a carne que escava o chão.
Panças verminóticas, ávidas de sustento,
mantém aceso o vigor que do suor extrai o leite.
Parcos tostões, nos intensos momentos
acumulados, dispendidos, (desperdiçados?)
em chochos grãos, pouco sal e frágil teto.
Jovem varão,
8º herdeiro da pouca raça,
pançudo, febril,
espera então...
vir do muque menos fé e mais pão.
Com chá de erva e da lua, força vital
ficar bom.
E sempre vem a recaída letal:
O organismo frágil perece. Em vão...
o chá, a lua, a fé,
Lutar por que?
Viver... viver?
Criar auroras, precipitar crepúsculos...
existir e só. Morrer!

POUSO NO ESCURO

POUSO NO ESCURO

Avenor Augusto Montandon

Decolei no meu Kit Fox de Araxá para Belo Horizonte numa linda manhã de sol de outono. Nessa época, aqui na nossa região, os dias são ensolarados e raramente chove.
Tinha sido convidado pelo Cesar, amigo e colega, deputado da Assembléia, para uma palestra que faria na comissão de saúde daquela casa. A palestra estava programada para 11 horas e eu deveria chegar ao aeroporto Carlos Prates no máximo às 10 horas. Embora lento, desenvolvendo em média 130 km por hora de velocidade de cruzeiro, eu tinha a previsão de chegar às 9 horas. Encarei um vento de proa de uns 10 km por hora, o que me atrasou bastante. Pousei às 09h30min.
Estacionei no pátio próximo ao aeroclube, e rapidamente fui conduzido à Assembléia no centro de BH, por um motorista incumbido de me apanhar. O trânsito estava péssimo e chegamos em cima da hora marcada. Muitos representantes do povo me receberam com muita cordialidade, demonstrando expectativa pelo que eu ia apresentar.
Desincumbi-me da tarefa em pouco mais de uma hora. O Cesar me convidou para almoçar em seguida, por volta de meio dia e meia. Alertei que teria que voltar ainda naquela tarde, e para isso teria que estar decolando no máximo às 14h30min, portanto o nosso almoço teria que ser bem rápido.
- Não se preocupe, disse ele. Não vamos demorar. Vamos almoçar aqui mesmo no restaurante da Assembléia. Jogo rápido! A prosa estava boa demais e quando dei por mim já era quase 14:00 horas!
- Cesar, preciso ir agora. Desculpe-me, mas tenho pouco tempo para decolar, sob pena de não conseguir chegar antes do por do sol!
Pedi ao motorista que não perdesse tempo, me deixasse no Carlos Prates o quanto antes. A despeito da sua boa vontade, o trânsito não ajudou. Era mais de três horas da tarde quando chegamos ao aeroporto.
Pelos meus cálculos, sem nenhuma intercorrência, chegaria a Araxá às 17:50, dez minutos antes do por do sol. A inconseqüência estava presente na minha decisão. Confesso que hoje eu não me aventuraria, burlando uma regra básica de segurança que prevê tempo suficiente para voar o trecho, mais o tempo necessário para voar ate a alternativa e mais 45 minutos de lambuja para o pôr do sol!
Era uma tarde linda. Dessas que nos incentiva a decolar. Dá-nos muita confiança e o horizonte nos chama para esse encontro com o deleite de voar.
Nós os pilotos somos atraídos para o vôo como os marinheiros são para o canto da sereia. É uma compulsão. Quando planejamos fazer um vôo a determinado lugar, temos duas ansiedades: decolar para ir e decolar para voltar. Muitos de nós, levados por essa ansiedade corremos risco e tantos perderam a vida!
Decolei. O GPS me estimou a chegada antes do pôr do sol, conforme tinha calculado. Um ventinho de cauda ainda estava ajudando.
Quando cruzava mais ou menos no través de Bom Despacho constatei um paredão preto na minha proa, um magnífico CB. Como minha autonomia e meu tempo eram curtos, optei por contornar a nuvem pela direita. Isso me afastou cerca de 30 km da minha proa.
Quando tentei retomá-la, livrando a nuvem á minha esquerda, fui surpreendido por uma ascendente, me sugando para cima a mais de 1500 pés por minuto. Tive que mergulhar o avião acelerando na vertical para neutralizar a ascensão. Recuperei o vôo reto horizontal a menos de 1000 pés na vertical de Dores do Indaiá.
Vencida essa difícil etapa, retomei meu rumo. Faltavam ainda cerca de 90 km para Araxá. Refiz meus cálculos e constatei preocupado que não chegaria antes do anoitecer.
As minhas alternativas estavam inviabilizadas pelo CB que se alargara por todos os lados, felizmente me livrando a proa. Vi as luzes da minha cidade mais de 20 minutos depois de o sol desaparecer no horizonte. Como não tinha iluminação de instrumentos ou de cabine, usei a chave do meu carro que acendia uma luzinha á compressão de um pequeno botão. Com isso consegui ver os instrumentos quando me aproximava na escuridão do aeroporto da cidade. Só pude saber que estava cruzando a pista porque o GPS me avisou.
Identifiquei pelas luzes, duas referências inconfundíveis nas proximidades da cabeceira 15: O restaurante Samburá à direita e o Clube Girassol á esquerda da cabeceira da pista. Estava muito acostumado a pousar na 15 e esses pontos me eram muito familiares e me serviram sempre nas aproximações para pouso. Me assustava muito a situação crítica da minha autonomia de vôo. Os dois tanques estavam no vermelho da reserva! Tinha que pousar. Liguei para um amigo e pedi que acendesse as luzes do hangar do aeroclube, que seria mais uma referência, fiz uma aproximação padrão com uma final longa usando as referências citadas. Pela minha experiência eu sabia que estava no alinhamento. Mantive uma altura maior que a habitual contando com a segurança dos quase 2 km de pista. Convoquei o meu anjo da guarda, que fica quase o tempo todo de plantão, e fui reduzindo o motor, mantendo o vôo em velocidade segura. Quando estava por tocar a pista, confirmei meu correto alinhamento, pois a minha visão periférica, ressaltada com o tempo de escuridão, me mostrou o contraste da linha branca no centro da pista. Estava exatamente no meio! Logo toquei o chão e embora não fosse um arredondamento perfeito, o pouso não foi dos piores. Tive então que aguardar que viessem de carro á pista para me guiar até o hangar.
Assim, dei por finda uma aventura que tinha tudo para acabar em tragédia.
Felizmente, mais uma vez ileso, vivi para contar esta e outras historias.

O CORONEL

O CORONEL

Avenor A, Montandon


O Coronel João Bastião era um fazendeiro abastado, família grande e tradicional na região. Era um sujeito enérgico cordial e muito caridoso.
No auge dos seus 60 anos aparentava uma saúde de ferro, demonstrada no cotidiano pela disposição com que encarava a administração de seus bens: várias fazendas, que percorria num jipe verde, vestindo um terno de linho cáqui. Seus filhos, já adultos, o ajudavam nas tarefas de supervisão e controle do enorme patrimônio, mas nenhum deles tinha o vigor e energia do pai.
Um belo dia o coronel ficou doente. Relutante, mas sob insistência da família, procurou o médico, o Dr. César, competente e boa praça que gozava de muito prestígio junto ao coronel.
Vários exames. Depois, veio a constatação da necessidade de uma intervenção cirúrgica:
- Coronel, o senhor vai ter que ser operado. - O Doutor foi categórico.
- Que isso doutor! Nunca tive nada, agora é que apareceu esse negócio de mijar fininho...
- Pois é coronel. Não tem remédio a não ser operação. Além do mais, a tendência é só piorar. É também perigoso adiar a operação. Pode complicar.
O coronel coçou a cabeça, acendeu um cigarro de palha, encarou o doutor nos olhos: - Precisa mesmo?
- Não tem jeito.
- Tudo bem, to nas mãos do senhor, que abaixo de Deus, tem sido bom para toda família.
A operação foi um sucesso. mas, era um tumor suspeito. Precavido o doutor encaminhou a peça para exame. Uns quinze dias depois a constatação infeliz: era câncer.
Dr. César reuniu a família e abriu o jogo: - o tumor é maligno, dos piores, a tendência daqui pra frente é piorar.
A família, constrangida, indagou se haveria algo mais a fazer
- Nada. Vamos aguardar. Ele vai passar bem nos próximos meses. Dito e feito. O velho não teve nada e voltou à rotina normal. Seis meses depois, no entanto, o doutor foi chamado. O coronel estava indisposto, amarelo e vomitava muito.
- Icterícia. pensou o doutor com seus botões. E daquelas que não tem jeito. Sem dúvida o câncer se espalhou e já tomou o fígado.
Apesar dos remédios, o paciente piorava dia a dia. A família já pensava no inventário. Um filho apossou-se de uma bota do coronel. Outro levou sua coleção de armas. E, assim foram despojando o coronel dos seus pertences na expectativa de sua morte.
Um dia de manhã o velho manifestou a vontade de comer um lombo de porco com farofa.
A família chamou o doutor para opinar.
- Deixa ele comer. Afinal deve ser um de seus últimos desejos. E o coronel passou bem para surpresa de todos. Noutro dia pediu uma feijoada. Queria assistir ao preparo da refeição no rabo do fogão. Foi atendido e ainda deu palpites no tempero.
Dias e cardápios variados depois, o doutor saía do hospital, quando viu um homem de terno cáqui e cigarro de palha na boca descendo de um jipe verde.
Era o próprio.
O Dr. César se aproximou perplexo:
- Uai, coronel. É o senhor?
- Em carne e osso, doutor. To novo!
- O que o senhor fez para melhorar assim tão depressa? - indagou.
- Deixei de tomar aquela remediada toda.

E viveu mais 28 anos.......!!!

O CONDENADO

O CONDENADO

Avenor A. Montandon


Assistimos com misto de curiosidade e perplexidade, o episódio do “bandido de Itaipu”.
Pela imprensa pudemos acompanhar (com ampla cobertura, inclusive fotográfica), a captura e execução do miserável.
Quem seria o saqueador que mobilizou um aparato policial fantástico de quase uma centena de homens, armas, helicópteros durante meses?
Sem saber quem, poderíamos deduzir pela guerra deflagrada, que seria uma ameaça impressionante à integridade de pessoas e seus bens. Um “Rambo” tupiniquim, com um poder de destruição, pelo menos, compatível com o aparato policial e os recursos mobilizados à sua caça. Procurei localizar em todas as informações das reportagens, alguma coisa que justificasse a sua eliminação sumária. Procurei dar razão aos seus executores que, segundo me consta, foram ostensivos à sua perseguição. Não encontrei nenhum fato que desse razão à sua condenação.
A mim como médico, pareceu-me tratar-se de um psicopata miserável e faminto; um homem reduzido à condição de um animal fugidio e medroso, em busca da condição mais primitiva de sobrevivência - a comida.
Esse “animal”, incrustado num mundo hermético e misterioso, não se comunicava. Nunca dele se ouviu nenhum som. Seria um surdo e mudo, vivendo no mais completo silêncio interior, sem a menor noção de limites e fronteiras entre o bem e o mal?
Seria um louco produzido “fora de série”, por uma sociedade que insiste na sua loucura conivente de injustiça social? Seria enfim, um pobre coitado que cansado de bater de porta em porta pedindo comida, resolveu, em desespero, colher o alimento que lhe foi negado por seus próprios meios?
As respostas não poderão ser dadas... Foram enterradas com aquele miserável faminto e sem nome numa cova rasa de um cemitério qualquer.

NA LUTA DO DIA-A-DIA

NA LUTA DO DIA-A-DIA

Avenor A. Montandon

Já cedo,
Na luta do dia-a-dia
começa o sufoco, a correria
entra Joana, sai Maria
é Joaquim, João, Tereza...
Ah! Doutor, esta é minha tia!
Contando muito com a sorte,
no afã de afastar a morte,
não tem lugar pra pudor
o que importa é passar a dor.

E logo começa na luta do dia-a-dia,
o vasto desfile dos “ites”
é rinite, artrite, bursite,
diarréia, gastrite, alergia;
gota, colite, pneumonia,
apendicite, nefrite, hepatite!
É tanto “ite”, meu Deus!
Durante o dia,
com tanta receita, exame,
Deus-te-pague e alegria,
que a cabeça tá confusa
Já não sei se é espondilite ou mialgia

É dor aqui, dor dali
Sobe, desce, desaparece
volta mais forte, endurece
corre, migra, projeta, escorre...
-vem a inchação
- aqui nesta articulação!
e é tanta dor, seu Doutor
que a gente quase morre!
Mas, já na volta do dia
começa a chegar o cansaço.
Logo esquecido,
com a melhora do inchaço,
e com as provas de afeição!
Com muita compensação
regrediu a hipertensão!
Acabou a arritmia
bate melhor o coração

No final do dia, afinal
acabada a luta, o sufoco, a agonia:
- Esqueceu Doutor?
Tem cirurgia!
- É mesmo, quase esquecia
daquela gastrectomia!
E a luta recomeça.
Pior. Não posso ter pressa.
Adrenalina
Ajeita o foco...
Xilocaína
Bisturi na pele macia...
Ressecção, anastomose, hemostasia...
Enfim o curativo. Tudo bem.
Uma alegria!...

E lá pelas tantas
trocando as pernas, à revelia,
enfim descanso!
... Um bom banho, um prato quente
E direto pro quarto.
O telefone toca!
- Doutor, tem um parto!.
E aí eu quase infarto
com a luta do dia-a-dia...!!

MULHER

MULHER

Avenor A. Montandon

A mulher foi a última criação de Deus. A terra, o céu, o mar, os animais, as plantas e finalmente, o homem, foram criados.
Julgando então, o Senhor, que o homem estava só e incompleto, em mais um ato divino, enquanto Adão dormia, tirou-lhe uma costela e dela fez a mulher, sua companheira e complemento.
Indiscutivelmente, como todas as obras de Deus, uma criação perfeita, fundamental. Sem ela, não existiria a humanidade... ou não? Quem sabe se o Criador, na sua infinita sabedoria, tivesse constituído Adão um hermafrodita, dotado da capacidade de auto-fecundação e reprodução sem necessidade de acasalamento.
Mas Deus deve ter pensado melhor. Como seria monótono e enfadonho um mundo sem a mulher?
Um mundo sem inspiração, sem discórdia, sem conquistas, sem amor, sem pudor...
Um mundo só de homens?
Que coisa mais grotesca e peluda! Deve ter imaginado o Senhor!...
Façamos o atenuante, o estimulante, o catalisador do homem, a fonte da ternura, a razão do carinho e do afeto!
Façamos a mulher.
Façamos a mãe!
E o amor foi feito.
Desprovido então de uma costela, do lado do coração e devidamente reposta, Adão ganhou a companheira.
Certamente perplexo e satisfeito ficou Adão.
Perplexo pelas diferenças e desconcertante atração;
Satisfeito pelas semelhanças e pela companhia.
Uma obra sensacional!
Com pequena restrição, eu acho que tudo na mulher está perfeito. Até o seu comportamento foi mais elaborado que o do homem:
É menos agressiva; reage sempre em função do amor e da razão, é tolerante, é sensível...
Peço vênia ao Criador para a minha restrição: um transtorno chamado menstruação. Seguramente 50% das mulheres procuram os consultórios com problemas menstruais: adianta, atrasa, vem muito, vem pouco, não vem...
Fatalmente acompanhada de cólicas, o que já é estranho, a menstruação parece o resgate de um pecado, o que nos faz admitir como razoável a explicação de que quando Eva pecou, Deus teria ordenado que se pagasse com sangue o seu erro. E, na sua infinita bondade, permitiu que isso se fizesse em suaves prestações mensais em 40 anos de sua vida! Submissa à sua fisiologia, ela existe para alegria dos homens, semeando o amor e a harmonia. (nem sempre!)

MEUS MEDOS

MEUS MEDOS

Avenor A. Montandon

A coragem é uma das minhas virtudes. Ao longo de varias décadas de vida encarei muitos desafios e a todos enfrentei com uma coragem que muitas vezes me surpreendeu. Muitos que me conheceram fizeram referências a essa minha característica.
Não tenho medo de morrer. Acho que a morte é conseqüência da vida e certamente todos terminamos essa vida quando vamos ao seu encontro. No entanto não quero morrer cedo. Tenho que ver os meus netos crescerem, acompanhar a evolução dos meus filhos e fazer muita coisa que tenho vontade.
Um grande e amigo e colega, me conhecendo bem, costuma dizer que tenho coragem de mamar em onça parida! Também acho. Mas confesso que tenho alguns medos:
Tenho medo de ignorância! Com a ignorância é muito difícil de lidar e sem argumento acho estarrecedor ter que enfrentá-la.
Tenho medo da truculência. A truculência é irracional! O que é irracional não tem regras, nem ética e nem lógica! É como nas guerras!
E assim as armas que se pode dispor para enfrentar a truculência em cada situação são diferentes, e no inusitado podem ser desconhecidas.
Tenho medo da estupidez humana. A espécie humana tem uma natureza estúpida! As forças que movem a vontade humana são baseadas na vaidade, na ambição e no orgulho. A miséria do mundo é conseqüência disso. As desigualdades, o sofrimento coletivo ou não, a destruição dos bens e da paz é conseqüência disso...
Tenho medo de envelhecer perdendo funções que tiram a dignidade, embora saiba que isso é conseqüência desse processo. Deve ser terrível ter lucidez suficiente para perceber o declínio inexorável das suas funções físicas e fisiológicas. A dignidade do ser humano pressupõe a integridade do seu desempenho, da sua capacidade de caminhar, se expressar, cumprir seus objetivos de vida e realizar o que lhe é exigido pelo meio e pela sociedade. A velhice deveria acontecer sempre com a perda concomitante da lucidez e das funções orgânicas. Ter a vontade e não ter a correspondente função para exercer a tarefa, é inadmissível para a dignidade humana. A impotência é um sofrimento atroz. Por isso pessoas com limitações e dotados de grande vontade se desdobram e se adaptam à execução de atividades que poderiam parecer impossíveis de serem realizadas. Eu tenho muito medo da incapacidade!
Tenho medo da intolerância. Ela anda paralelamente com o rancor e a ignorância! A intolerância gera os conflitos que, por sua vez produz os confrontos. O confronto quase sempre é mau e promove a destruição. Detesto a destruição!
Tenho medo da inveja. A inveja é uma força sombria, que mobiliza uma energia negativa e maléfica, que se volta contra quem a motivou. A inveja é própria dos incompetentes, de pessoas más, contidas na sua insignificância. Contra ela pouco podemos fazer e por isso eu a temo.
Tenho medo da injustiça. A injustiça me traz incontida indignação. Ela corroi o âmago do injustiçado, gera a revolta e o ódio. O ódio é o aliado mais forte da maldade que por sua vez gera a vingança e mata todo sentimento de perdão.
Tenho muito medo de perder a liberdade. O cerceamento da vontade e de dar vazão aos impulsos acarreta a frustração que deixa seqüelas profundas. Disso pode advir a amargura, as doenças psicossomáticas o ódio e a terrível depressão. Temos a determinação da liberdade. Sem ela viramos monstros. A liberdade a que me refiro não é tão somente a perda da capacidade de ir e vir como também, e principalmente, o impedimento de produzir e realizar nossas vontades.

MÃE JOANA

MÃE JOANA

Avenor A. Montandon

Zé Precotela. Esse era o seu nome. Era um crioulo muito preto e forte. Tinha uma característica peculiar. Os pés eram enormes. Sapato, só sob encomenda, tanto que só andava descalço.
O Precotela foi criado desde pequeno pelos meus avós na fazenda, onde ajudava como vaqueiro e capinador de roça. Era servil e humilde, resquícios de seus antepassados de escravos e dedicava aos velhos um respeito submisso, quase canino.
Saiu para casar, com a devida licença dos velhos, o “padrim e a madrinha”. Sua primeira mulher morreu de parto do quarto ou quinto filho, já não me lembro, deixando os filhos bem pequenos, principal argumento para arranjar logo o seu segundo casamento com uma crioula aparentemente saudável, gorda e risonha que quando ria parecia ter quarenta dentes na boca. Seu nome era Joana, tinha uns trinta anos quando casou com o Precotela. Dois ou três anos depois já havia aumentado a família em mais dois crioulinhos. Joana andava cerca de duas léguas a cada dois dias, para lavar e passar roupa na fazenda da vovó. Caminhava ligeira por uma trilha nas encostas suaves dos morros que circundavam a fazenda.
Na escadeira levava invariavelmente um filho mais novo, que não podia deixar em casa, pois até a idade de dois ou três anos os amamentava só no peito.
Sagrada rotina anos a fio.
Fazia parte da paisagem ver a Joana com um crioulinho encaixado na cintura, com uma trouxinha na cabeça rumo à sua casa ao final do dia de trabalho. Com o tempo, no entanto, o passo de Joana já não era tão ligeiro. Estava mais gorda (ou inchada) e parava, vez em quando, para descansar.
Descia o neguinho, o assentava sobre o cupim, respirava sôfrega, para depois prosseguir.
Certo dia, bem cedo, o Precotela apareceu na fazenda. Adentrou à cozinha, onde a vovó preparava um tacho para fazer sabão, tirou o chapéu.
- Bença madrinha.
-Bençoe Zé. Que veio você fazer aqui essa hora. Não é seu costume!
-Fiquei preocupado com a Joana, madrinha. Imaginei que ela tivesse dormido aqui hoje à noite com a menina, pois ela não voltou para a casa ontem.
- Que isso Zé?! - disse espantada.
- A Joana saiu ontem, ainda num era cinco horas!
O crioulo ficou branco de susto e assentou num banco à porta.
- Uai madrinha, então aconteceu alguma coisa!
Preocupada vovó mobilizou a todos que saíram, uns a cavalo, outros a pé à procura da Joana com a crioulinha de um ano que estava com ela.
Seguiram o caminho costumeiro de Joana, passaram duas casas de colonos por onde ela às vezes parava, na esperança de encontrá-la. Nenhuma notícia. Aumentou a apreensão.
Quando, depois de muita procura, se esvaneciam as esperanças, próximo a uma vertente ouviram murmúrios de criança. Sobre uma moita de capim, a poucos metros de um enorme desbarrancado, jazia o corpo de Joana. O capim á sua volta estava amassado, denunciando que a criança por ali circundara á noite em volta da mãe morta. Os peitos murchos do cadáver, á mostra....Joana cumprira , mesmo depois de morta o seu instinto de mãe: A criança alheia , brincava a seu lado , saciada com o leite que sugara durante a noite.

CONSIDERADO MORTO, HOJE VIVE E É FELIZ

CONSIDERADO MORTO, HOJE VIVE E É FELIZ

Avenor A. Montandon

Quando iniciamos o primeiro contato com os doentes graves que acabavam de chegar ao hospital, notamos um deles com grandes fraturas na face, mas que no entanto, não apresentava quadro clínico que merecesse uma interferência imediata ou uma atenção especial por parte dos médicos que atendiam. Seus companheiros à morte, careciam de nossa rápida dedicação.
Saíamos de uma cirurgia, quando deparamos com o dantesco quadro. Aquele doente enfrentava a morte frente a frente. Havia aspirado sangue, sentia-se asfixiado e, em pouco tempo, seu coração não mais batia. Deixava de haver movimentos respiratórios.
Não fosse a violenta intervenção aplicada: a abertura da traquéia com simples tesoura, massagem cardíaca e afinal, reanimação cardio-respiratória, não teríamos hoje a oportunidade de conversar alegremente com o senhor João Ribeiro. Gente boa, humilde, empregado rural, criador de porcos e passarinhos, tocador de sanfona, cavaquinho e violão e infortunadamente, o idealizador daquela romaria a Aparecida do Norte, que tão tragicamente terminou extinguindo 6 dos seus integrantes e 3 outras vidas de carro, considerado responsável pelo fatídico acidente.
Não esperávamos que o Sr. João vivesse. Um colega o considerava morto clinicamente, apesar da reanimação. Os dias se passaram e os cuidados do dia-a-dia permitiram esse papo que tivemos num momento de folga do hospital, com o Sr. João:
- O Sr. está triste sô João?
O aceno de cabeça confirmava a interrogação. Sua voz saia fraca, pois a fístula na garganta impedia que todo o ar dos pulmões passasse pelas cordas vocais saindo pelo pescoço (local da intervenção cirúrgica) e o ar sibilava como se desperdiçasse a voz que ansiava sair.
- Fiquei sabeno que minha muié morreu... Num dianta chorá. Meu pai morreu, eu fiquei triste, mas conformei, a gente num vive pra sempre nesse mundo memo, né?
Minha mãe morreu. Morrero meus irmão. Eles num vorta mais, num dianta chorá... quero sarar e vortá pra casa. Num tem quem cuida dos porco, meus 2 cachorro e os passarinho que prezo muito. Tenho muita coisa lá em casa. - Continuava o Sô João, dando vazão à ânsia de falar (passara vários dias sem o fazer) - Tenho um rádio muito bão que custou uns 230 conto, uma sanfona de 80 baixo com 7 registro. Um cavaquinho e um violão vermeio. Ah! tenho 8 marrote.
- O que é marrote sô João?
- É leitão, dotô. Tenho 8, e uma porca que tá criano. Pra tratá tenho ainda 1 paiol de milho.
- O Sr. toca algum desses instrumentos?
- Toco tudo.
- Pelo jeito o senhor gosta muito de música, hein?
- Se gosto... gosto muito de jacó e jacozinho; Vieira e Vieirinha; Tonico e Tinoco, concluiu.
- Agora num tenho mais prazê em tocá. Sô desgostoso da vida. Quando chegá lá vô vendê tudo!
E o sô João continuou, sem que o instigasse a falar:
- Alem do mais seu dotô; tenho muita ferramenta de carapina prá trabaiá, uma horta plantada por mim que tem de tudo quanto há: mandioca boa, cuzinha que só veno!
- E os passarinhos, sô João?
- Ah! Os passarinhos... tenho muitos; tenho um coleira, tenho um azulão, patativa, pintassilgo, tuim, passo preto e uma maritaca... vô sará logo pra tratá dos meus negócio lá.
Essa é a fortuna do Sr. João, gente boa, um desconhecido, até então para nós e que com a convivência se tornou tão íntimo e tão grande! Essa a fortuna e a felicidade do Sr. João. Ah! a felicidade, a oportunidade de ter devolvido a ele a vida simples. A oportunidade de voltar a tratar dos seus porcos e seus passarinhos...

CABOCLA

Cabocla

Avenor A. Montandon

Ao ver-te assim tão linda
Busco na distância o meu consolo
E embora, ter sentido tudo isso,
Há tanto tempo, te desejar e te querer
Só agora posso te-la no meu colo!

Olho você exuberante, radiante,
Mostrando a alma, o coração,
Um corpo como a mais bonita canção!
Formas, curvas, suavemente desenhadas, arrojadas,
Despojadas, se mostrando eloqüentes na atração!

Seu cheiro de flor, uma harmonia! uma cor!!
Só um homem cego não morreria de amor!!
Simples, natural, rústica, do campo,
Brotada do chão como uma planta
Por maior inspiração do Criador.

Querer-te mais não poderia!
Corpos possuídos, suados, exauridos..
Apenas sentem, sonham e sofrem
Não nos pertencem, e a despeito do amor,
O tempo, a distância, nos afasta e nos consome...
E nos arranca da alma esse louco alimento, essa chama,
Que só poderiam pertencer a quem ama!!

CIRURGIA ORIFICIAL DE CORTESIA

CIRURGIA ORIFICIAL DE CORTESIA


Avenor Augusto Montandon


O Dr. César e o Dr. Pessoa eram bons amigos e trabalhavam juntos no mesmo hospital na pequena e pouco pacata cidade do interior das Minas Gerais. A paz ali era uma situação ocasional, freqüentemente comprometida com as rixas existentes entre famílias tradicionais na região. Não raro havia tiroteios o que a fazia cognominar-se Confusão. O Hospital dirigido pelo Dr. Pessoa era bem equipado e organizado. Atendia não só a população local como de toda a região que para lá convergia pela boa fama de seus médicos treinados na cirurgia de trauma, fruto da tradicional hostilidade existente.
O Dr. César e o Dr. Pessoa auxiliavam-se mutuamente nas cirurgias. Somavam suas experiências e os resultados faziam prosperar suas famas. Ambos eram também fazendeiros prósperos, criavam gado leiteiro e engordavam bois de qualidade nos verdes e vastos campos que circundavam a cidade.
Um belo dia, compradores de gado do norte de São Paulo chegaram na cidade a convite do Dr. Pessoa para ver um gado seu, gordo e saudável, que pretendia negociar. Tinham pressa. Não podiam demorar pois tinham muitos outros compromissos agendados em outras localidades não muito perto dali, cujas distâncias teriam que ser vencidas em precárias estradas de terra.
Dr. Pessoa foi avisado das presenças quando se preparava para uma cirurgia previamente marcada, em paciente amiga da família, que já estava preparada e pronta com pré-anestésico. Tomado de ansiedade sentiu-se na obrigação de atender os visitantes sem trazer prejuízo à cirurgia por iniciar. Nisso chegou o Dr. César, simpático e boa praça, com cara de muitos amigos, pronto para assumir o auxílio de praxe ao Dr. Pessoa.
-César! Que bom que chegou! - disse o Dr. Pessoa – Estou com um compromisso urgente e inadiável e queria que me fizesse um grande favor. Tenho a cirurgia da D. Elza que já desceu para o Centro Cirúrgico e gostaria que a fizesse por mim. Peça ao Dr. João para te ajudar.
-Que cirurgia, Pessoa?
Dr. Pessoa titubeou na resposta. Momentaneamente a memória lhe falhou. Eram vários pacientes agendados e a sua ansiedade não contribuía para a lucidez necessária...
-Hemorróidas?...
-Isso, hemorróidas – respondeu sem pestanejar – faça para mim!
-Deixa comigo, Pessoa. – respondeu Dr. César – Pode ir para o seu encontro.
-Obrigado César. Quando precisar, conte comigo!
O Dr. César chegou ao Centro Cirúrgico e já encontrou a paciente na posição ginecológica. Tomou as providências pré-operatórias imediatas e não obstante constatar a irrelevância da patologia orificial, executou rápida e prontamente a cirurgia com a destreza que lhe era peculiar.
À noite, passando a visita de cortesia aos pacientes operados no dia, Dr. César encontrou a D. Elza apreensiva. Julgou ser normal o descontentamento por ser uma cirurgia dolorosa no pós-operatório imediato. Explicou que fizera a cirurgia a pedido do Dr. Pessoa que ficara impedido de fazê-la e esperava que não se importasse com esse fato.
-De modo algum, Dr. César. Confio muito no senhor que já operou várias pessoas da minha família, mas, eu só tenho uma dúvida.
-Pois não!
-Não sabia que se operava períneo por esse buraco!!!...

A FACADA

A Facada

Avenor Augusto Montandon

Fui chamado com urgência ao hospital. Um homem de meia idade tinha sido esfaqueado. Seu estado era muito grave. Os sinais vitais denunciavam um choque hemorrágico.
Entrei direto para o centro cirúrgico onde o paciente estava sendo anestesiado.
A anestesista foi logo me avisando que o caso era grave demais, e que embora estivesse infundindo sangue e vasopressores, a pressão arterial não era detectada e apenas tênues pulsos carotídeo e femoral eram percebidos.
Numa rápida inspeção confirmei as informações passadas pela colega e constatei uma pequena lesão perfuro-cortante, de uns dois centímetros, na região epigástrica (linha média do abdome superior). Não havia dúvida de que aquele ferimento tinha penetrado o abdome e lesado uma víscera ou algum vaso importante. Enquanto escovava as mãos imaginei que o estômago teria sido lesado. Ou quem sabe o fígado? Certamente havia uma hemorragia interna importante que deveria ser contida rapidamente, sob pena de choque irreversível, já iminente.
Ao longo de tantos anos de experiência como cirurgião, eu não tinha quase nenhuma preocupação com as dificuldades que normalmente encontraria numa cirurgia desse tipo. Deveria ser rápido e preciso, ingredientes essenciais para conter o sangramento, sob pena de perder o paciente.
Durante os breves instantes em que me preparava para entrar no campo operatório, o paciente parecia perder totalmente os sinais vitais.
Tendo sido treinado em hospital de urgência, não gastei mais do que 1 ou 2 minutos para ter acesso à cavidade abdominal com uma incisão (corte) de uns 20 centímetros na linha média da barriga, acima do umbigo. Minha surpresa foi muito grande ao constatar que não havia quase nenhum sangue no interior do abdome que justificasse o choque hemorrágico que estava por levar o paciente a óbito. Numa inspeção geral das vísceras, também não pude evidenciar nada que o justificasse!
Alertado pela anestesista sobre a piora do estado do paciente, senti-me pressionado a localizar o sangramento. Só podia ser para dentro do tórax, concluí, estendendo a minha incisão para cima, cortando o osso externo onde se articulam as costelas no tórax anterior, como se procede nas cirurgias de acesso ao coração. Tinha a esperança de poder encontrar numa das cavidades pleurais, um enorme derrame pleural de sangue (hemotórax). Certamente a faca teria tomado o caminho ascendente, penetrando um dos pulmões. Tentaria a hemostasia (conter o sangramento) e, uma vez drenada a cavidade pleural, era só concluir a cirurgia com as suturas dos tecidos cortados, e com a reposição das perdas, o paciente estaria salvo.
Minha surpresa foi ainda maior quando, acompanhando o trajeto que a arma havia tomado, cheguei no.... CORAÇÃO!! Isso mesmo! Conforme previra, a faca penetrara o tórax e acertou o coração! O mais falado órgão do corpo, suposta sede dos sentimentos, da afeição, do amor, do sofrimento - havia sido perfurado.
A faca atingiu o ventrículo direito e este deixou extravasar para o seu entorno uma grande quantidade de sangue que, contido pelo pericárdio (tipo de membrana), provocou o que nós médicos chamamos de derrame pericárdio, causando um bloqueio, que constrange os batimentos cardíacos. A perda sanguínea, aliada àquele bloqueio insistia em manter o paciente em estado grave!
Heroicamente o coração continuava cumprindo a sua função, mas, a cada pulsar mais um jato de sangue era jogado fora! Precisava interromper aquele sangramento e, para tal, lancei mão de duas pinças que, devidamente presas nas bordas da ferida, puderam me dar uma trégua para preparar a sutura.
Como já esperava, os batimentos foram se tornando cada vez mais tênues até que pararam. Aproveitei então aquela providencial parada cardíaca para dar os pontos na ferida da parede do ventrículo.
Tudo isso em menos de 30 segundos! Foram dois pontos em “U”, suficientes para fechar o ferimento e interromper o sangramento. Imediatamente iniciei a massagem do coração que, entre as minhas mãos, relutou em cumprir espontaneamente a sua missão de bombear o sangue, como se rebelasse contra essa nossa ofensa e intromissão.
Por alguns minutos, espremendo o nobre órgão entre meus dedos pude substituir a sua função, permitido que o sangue circulasse com pressão suficiente para manter oxigenados os órgãos, incluindo o próprio coração. Minutos depois, para nossa euforia, o laborioso centro da circulação reiniciou sua luta contrátil, de inicio meio titubeante, arrítmico, para gradualmente assumir um ritmo seguro e confiante.
- E aí doutora, dirigindo-me à anestesista, - e a pressão?
- Tá melhorando! Com mais uma bolsa de sangue vai normalizar. - Foi categórica.
Extenuado pelo esforço e sentindo a firmeza do resultado, conclui a exaustiva tarefa de recompor os vários planos cirúrgicos.
No dia seguinte de manhã, menos de 12 horas do término da cirurgia, conversei com o Sr. José, sobrevivente de uma facada no coração.
- Bom dia! Sou o médico que te operou!
- Bom dia doutor. Obrigado. Não vi nada. Pensei que tinha morrido! Depois da facada que a Margarida me deu eu achei que num tinha chance de escapar. Ficou tudo escuro logo depois!
- Quem é Margarida? perguntei.
- Minha mulher - respondeu constrangido.
- Sua mulher?
- Isso mesmo. E continuou em tom de desabafo:
- Eu fui receber um dinheirinho na Caixa Econômica de um seguro desemprego, e ia indo pra casa. Resolvi passar num boteco que tem no caminho. e tomei uns tragos. Quando eu cheguei, em casa ela tava me esperano e me enfiou a faca! Num entendi seu doutor. Eu tava até levano um presentinho pra ela!! Ela é boa mas é ciumenta demais - concluiu.
- Seu Zé, você sabia que a facada foi no coração?
- Mesmo Doutor? Então como é que escapei?
- Sorte seu Zé, muita sorte!!!
Fui categórico...

O espirro de Tomás

Tomás - filho de Nicole e Hernan

Medicina de Aviação - Fisiologia de Vôo


"Os aeronautas, de maneira geral, são os principais protagonistas do vôo. Em qualquer equipamento, de um simples balão, que sobe e navega ao sabor dos ventos, até um sofisticado avião supersônico, que rompe inacreditáveis barreiras de velocidade e altitude.

Nas mãos do piloto é depositado um patrimônio material de milhões de dólares, traduzidos sob a forma de altíssima tecnologia, evoluído ao longo de um século de pesquisas e sacrifícios, em todos os campos da ciência: materiais, aerodinâmica, sistemas de propulsão.... e, o maior e impossível de ser mensurado - a responsabilidade de transportar pessoas em condições de segurança e conforto.

O autor, Dr. Avenor Montandon, resolveu reunir as suas experiências como médico, piloto, professor, para viabilizar uma publicação que resumisse didaticamente o assunto de medicina de aviação, expondo com clareza a anatomia e a fisiologia dos órgãos e sistemas do corpo que são influenciados pelo vôo.

Também, o que é essencial para o conhecimento daqueles envolvidos com a atividade aérea no que diz respeito à saúde, sua manutenção, prevenção das principais alterações do organismo no vôo ou em conseqüência dele, e o tratamento dos problemas advindos dessa atividade."