Família Completa

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Familia em 27 de dezembro de 2009

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domingo, 25 de janeiro de 2009

URGÊNCIA EM PAQUETÁ

Quando eu era menino ouvia muito falar de Paquetá, uma ilha ”paradisíaca” na bahia de Guanabara. Tinha muita curiosidade em conhecê-la.
A oportunidade surgiu quando, já médico e morando no Rio de Janeiro, pude conhecer num daqueles fins de semana ensolarados do Rio. Meus sogros estavam nos visitando e manifestaram o desejo de visitar a ilha. Tínhamos 3 filhos pequenos. A menor, Nicole era ainda um bebezinho de alguns meses.
Findos os preparativos e animados pela expectativa de um passeio muito diferente fomos para a estação das barcas.
A viagem, numa barca de 2 andares, iniciava na praça XV e durava uns 40 minutos.
Ainda me lembro que tive uma grande decepção ao constatar a sujeira da água da bahia, contrastando com a espetacular paisagem que se descortinava nos relevos da cidade. Embora a barca não fosse muito confortável, a travessia da bahia foi muito agradável.
Sogro, sogra , mulher e filhos se deliciando com a novidade. Eu, já acostumado com aquele tipo de transporte, me preocupava com a segurança da turma em meio a uma pequena multidão de turistas e habitantes da ilha que retornavam da jornada de trabalho no continente.
No desembarque constatei que o lugar devia ter sido realmente maravilhoso. Agora já nem tanto pela poluição imposta por uma exploração inescrupulosa e desprovida de um espírito de preservação ambiental. Mesmo assim Paquetá refletia o deslumbramento que despertara outrora.
Nos acampamos numa pequena praia não muito longe do centro, acomodados à sombra de frondosas árvores com rochedos e ilhotas á sua frente. Acomodamos e alimentamos as crianças, arrumamos o nosso ambiente e procuramos usufruir o programa, a despeito zoeira dos vizinhos, das moscas e do cheiro dos cocôs de cachorro.
Fascinava-me uma ilhota a uns 200 metros dali, com rochas e uns arvoredos, testemunha de áureos tempos de Paquetá, e, movido pelo interesse despertado, resolvi nadar até lá.
A travessia a nado não foi difícil. Talvez tenha feito o percurso nuns 15 minutos. A água era turva e mal dava para ver a um metro de profundidade. Já na ilhota pude apreciar um real isolamento e o silêncio só interrompido pelo canto das aves.
As rochas denunciavam a presença de visitantes que quiseram se perpetuar com suas assinaturas, marcas e desenhos nelas estampados.
Algum tempo depois, sentida a necessidade de retornar, notei que a maré estava subindo muito e havia muita correnteza em direção contrária ao meu caminho de volta. Teria portanto que nadar com mais força e num trajeto maior do que a vinda.
Enchi-me de disposição e me lancei ao mar. Não podia ver absolutamente nada naquela água turva e, conforme previsto, o meu esforço era muito maior para vencer a correnteza.
Mais ou menos na metade do percurso, bati o pé com muita força num recife submerso e, pela dor que senti, pude imaginar o tamanho da lesão. Era um corte profundo de uns 6 cm na borda interna do pé direito, que sangrava profusamente. Sem outra alternativa, redobrei os esforços para alcançar a praia. Finalmente alguns longos minutos depois cheguei na praia causando espanto e apreensão na minha família que me aguardava. Imediatamente lancei mão de uma fralda para conter o sangramento. Curiosos se aproximaram e ofereceram para ajudar. Me disseram que na ilha tinha uma precária unidade de saúde, com alguns leitos de semi internação e que dispunha de um interno e um residente de medicina de plantão.
Um solícito banhista, me ofereceu a sua bicicleta para que eu me deslocasse até o pequeno hospital, distante dali uns dois Km.
Sem hesitar, aceitei a oferta.
Vestido sumariamente com calção de banho e camiseta, com uma fralda enrolada no pé, cheguei á referida unidade. Uma atendente de enfermagem me recebeu e se surpreendeu imediatamente com a minha apresentação.
Disse que eu era médico, trabalhava no Rio, e precisava suturar o meu pé. A moça constrangida disse:
- Doutor, os acadêmicos estão muito ocupados com uma urgência e devem demorar um pouco!
Eu, desconfortável e preocupado não hesitei:
- Então, por favor me traga uma bandeja de sutura, seringa e anestésico. Eu mesmo vou suturar a ferida!
- mas... doutor?
- Não se preocupe! tranqüilizei.
A atendente, com indisfarçável apreensão, me trouxe o material solicitado e, com o pé colocado sobre o joelho esquerdo, fiz a assepsia, infiltrei anestésico na lesão e comecei a sutura. Poucos minutos depois eu tinha vários expectadores, incluindo os dois acadêmicos que haviam terminado o referido atendimento. Mostraram-se muito surpresos e se propuseram a me ajudar.
Rejeitei a ajuda sobretudo porque estava por concluir a sutura.
- O senhor faz qual especialidade?....perguntou um deles.
- Cirurgia e obstetrícia, respondi.
- Quem sabe o senhor pode dar uma ajuda pra gente. Nós estamos com uma caso grave aqui. A paciente teve um parto espontâneo na rua e foi trazida para cá.
Está com uma hemorragia incontrolável. Já tentamos fazer o que podíamos e não conseguimos controlar o sangramento.
Ela está chocando, Só temos mais uma bolsa de sangue para aplicar e vai demorar a remoção para o Rio!
- E o nenê, perguntei.
- Ta bem. Pusemos ele no berçário e já está sendo cuidado.
- Me arranja uma roupa de centro cirúrgico que eu vou dar uma olhada pra vocês, disse.
Devidamente recomposto e já com o pé suturado e enfaixado, fui examinar a paciente.
Era uma paciente de uns 30 anos, e apresentava característico quadro de choque hemorrágico. Pedi que a colocasse na mesa ginecológica para que eu pudesse examinar.
Havia uma extensa lesão de colo uterino com profuso sangramento e, para piorar, apresentava uma hipotonia uterina (o útero não havia contraído o suficiente), agravando o sangramento. A julgar pelo quadro clinico seria impossível adiar o tratamento da hemorragia, sob pena de perdermos a paciente.
Pedi então o material para o procedimento cirúrgico necessário e com algum sacrifício, graças às limitações do serviço, consegui interromper o sangramento.
Em pouco tempo a paciente já havia melhorado, os sinais vitais eram satisfatórios e a remoção já não era necessária.
Mediquei a paciente e pedi que aplicasse o sangue remanescente com as orientações necessárias.
Tomei um bom banho, despi-me das vestes emprestadas e sob calorosos agradecimentos e manifestações de admiração, montei na bicicleta e voltei á praia onde a minha família aguardava apreensiva. Com razão pois havia demorado umas duas horas.
O entardecer se aproximava. Um lindo crepúsculo era anunciado na bahia de Guanabara quando embarcamos de volta para o Rio. Durante a travessia pude analisar os acontecimentos em Paquetá e fiquei imaginando se aquele meu acidente não teria sido um pretexto Divino para a salvação daquela mãe. Nessa divagação pude mais me deleitar com a paisagem deslumbrante daquele final de tarde na estonteante bahia da cidade maravilhosa!

Avenor Augusto Montandon

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