Família Completa

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Familia em 27 de dezembro de 2009

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quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

RECADO AO MEU FILHO

RECADO AO MEU FILHO

Avenor A. Montandon

Filho meu, peço-te perdão.
Peço-te perdão, porque por culpa minha nascerás. Num momento de paixão, misto do meu amor por tua mãe, compartilhei com o mistério da natureza e foste concebido. Nascerás em algum tempo. Enquanto mesmo estiveres no ventre de tua mãe já sentirás os reflexos da hostilidade do mundo que em pouco tempo passarás a habitar. Tua mãe, no entanto, proteger-te-á e tudo evitará para que o sofrer lhe seja ameno, e, teu pai apoiará este gesto no instinto paternal que carrega.
Quando cumprires o tempo de vida parasita e de tua mãe apartares, ainda franzino e muito frágil, passarás a habitar o mundo de teus pais. Logo sentirás quão frágil és diante dos adversários teus. Mas, teu pai, tua mãe, tudo farão, estejas certo, para suprir essa fragilidade. Tomar-te-ás forte e superarás as dificuldades todas que se impõem à existência.
Filho, peço-te perdão, porque habitar esse mundo é sinônimo de sofrimento. Nascerás de uma espécie má.
Teus semelhantes, dominados pelo orgulho, inveja, ambição, insistem em hostilizar-se entre si. Poluem o ar, a terra, as águas. Destroem criaturas de incontestável beleza e pureza à satisfação do instinto de crueldade.
Exterminam as plantas, que verás são lindas; dão flores, estruturas de perfeição infinita em beleza, aroma, cor. Dão frutos, alimento rico e saboroso, símbolo de prosperidade; dão sombra, onde o frescor abranda o espírito e acalenta a alma.
Matam os animais, erradicam espécies que a natureza gastou milhões de anos para construir, animais que se mantidos, só tornariam a vida do homem mais bela e abundante em graça e alimento.
Quebram com essa destruição e poluição o equilíbrio ecológico, promovendo a revolta da mãe natureza, que cria os conflitos naturais: grandes variações climáticas, tempestades cataclísmicas, arrasadoras que ao homem mesmo destrói como se rebelasse contra as atitudes impensadas do único ser pensante.
Peço-te perdão meu filho, porque o homem cria mais armas a cada dia, incrementa e estoca poderes destrutivos, que em poucos segundos tornaria o nosso planeta uma chama, com substrato inerte, e a loucura coletiva, motivando a apenas um homem, poderá desencadear esse alto poder destrutivo que acabará por deixar no nosso planeta, poucos testemunhos da beleza que outrora existiu.
Hoje, meu filho, o mundo gira, movimentado mais pelo pecado e pelo dinheiro que pelo amor e fraternidade. Morrem aos milhares os nossos semelhantes, de fome, de miséria, de epidemias, enquanto sociedades riquíssimas esbanjam e mais querem obter.
Peço-te perdão mais uma vez, meu querido e desejado filho, porque a minha ambição é grande em querer-te; peço-te perdão porque, mesmo sabendo de todas as condições hostis que encontrarás ao nascer; mesmo sabendo que tornarás pela convivência mais um na espécie; mesmo sabendo que é provável que pouco viveremos, que encontrarás um mundo cruel e feio, poluído, imundo e fétido, eu o deixarei nascer, e mais que isso eu te amo, muito desde agora, e mais quero ver-te ao meu lado, e como teu pai, ciente de tudo, experiente em tudo, procurarei fazer que tudo te seja menos feio, tudo menos grotesco e paradoxal.
Perdoe-me agora meu filho, mas venha logo para nós. Eu e tua mãe ansiosos te aguardamos aqui no teu lar.


Três Pontas- Março / 1974

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